Ao longo da campanha eleitoral em 2018, o então candidato ao governo do Rio de Janeiro Wilson Witzel (PSC) repetiu insistentemente que não estava nos planos privatizar a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), mas agora, eleito, o ex-juiz federal vem repetindo insistentemente que pretende vender integralmente a estatal. Por detrás da mudança de posição está, em grande parte, uma pressão financeira crescente, mas também a perspectiva de uma flexibilização no marco regulatório do saneamento básico com potencial para alavancar o valor de mercado da estatal.
Em relatório com data de segunda-feira passada, o Conselho de Supervisão do Regime de Recuperação Fiscal – formado por representantes do Ministério da Economia, do Tribunal de Contas da União e do próprio Estado – classifica como “insatisfatória” a condução do processo que visa a privatização da Cedae. A venda da estatal à iniciativa privada foi uma das condições impostas pela União para viabilizar o socorro financeiro ao Estado do Rio, dentro do Regime de Recuperação Fiscal (RRF).
O relatório do conselho de supervisão aponta “atraso de pelo menos nove meses” no cronograma de execução do contrato entre o governo do Estado, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o consórcio responsável pela modelagem do processo de desestatização da Cedae. O governo federal tem interesse especial na venda da companhia por ser garantidor final de um empréstimo de R$ 2,9 bilhões concedido pelo banco BNP Paribas em 2017 ao Estado do Rio.
Caso o governo fluminense não quite o financiamento, com vencimento em dezembro de 2020, a União teria direito a até 50% das ações da Cedae. Uma forma de evitar a alienação dos papéis seria o Tesouro estadual quitar o empréstimo, cujo valor chegaria a R$ 4 bilhões com a inclusão de juros e encargos.
“No momento, não dá para ele [Witzel] dizer nada diferente de que vai vender”, resume uma fonte que acompanha o desenrolar do processo, referindo-se ao compromisso representado pelo Regime de Recuperação Fiscal.
Com receita operacional bruta de R$ 5,62 bilhões e lucro líquido de R$ 832,3 milhões em 2018, a Cedae poderia render até R$ 30 bilhões ao governo fluminense no caso de uma mudança regulatória que possibilite às empresas privadas prestarem serviços de saneamento básico por meio de contrato de concessão, estima fonte próxima ao governo estadual, reconhecendo que a projeção é “extremamente otimista.”
A cifra parece pouco factível quando comparada ao valor de mercado da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), na casa de R$ 32 bilhões. A companhia paulista atende 366 municípios e fechou o ano passado com um lucro líquido de R$ 2,83 bilhões.
Em 6 de junho, o Senado aprovou em regime de urgência um projeto de lei que, entre outros itens, prevê a realização de licitações em blocos de municípios para prestação de serviços de saneamento básico. Ao permitir a junção num mesmo bloco de cidades mais e menos rentáveis, a nova regulação geraria ganhos de escala e ampliaria a viabilidade técnica e econômica do saneamento como negócio no país, explica Sebastián Butto, sócio-diretor da consultoria em regulação Siglasul.
A possibilidade de empresas privadas prestarem serviços de saneamento por meio de contrato de concessão pode, em tese, alavancar o valor de venda da Cedae e de outras estatais do segmento, reconhece Butto. Ainda na administração de Luiz Fernando Pezão, antecessor de Witzel, o Estado defendia um modelo que subconcessões em que a Cedae ficaria com todo o serviço de distribuição de água e a captação e tratamento de esgoto ficaria a cargo de outras empresas. O governo fluminense acabou tendo de abrir mão dessa alternativa para assinar o RRF.
Por meio de sua assessoria, o BNDES informou que apresentou ao governo fluminense em dezembro de 2018 a primeira fase da modelagem do processo de desestatização da Cedae. Falta ainda a conclusão de uma segunda etapa.