Apesar de prazo curto, estado pede nova modelagem para venda da Cedae

Paulo Cappelli

26/08/2019 – 04:30 / Atualizado em 26/08/2019 – 07:50

O Rio tem até setembro do ano que vem para privatizar a Cedae e pagar o empréstimo bilionário obtido no âmbito do Regime de Recuperação Fiscal com a União. Mas, a aproximadamente um ano para o fim do prazo, o Palácio Guanabara pediu ao BNDES que refaça o estudo técnico que norteia o modelo de desestatização da empresa. O relatório original começou a ser produzido em fevereiro de 2018 e, há dois meses, chegou às mãos do governador Wilson Witzel. Segundo fontes da administração estadual, o documento precisaria ser refeito porque não previa a possibilidade de aprovação no Congresso do Projeto de Lei do Saneamento Básico. Na avaliação de autoridades fluminenses, o novo marco regulatório para o setor, que continua em debate em Brasília, poderá valorizar a companhia de água e esgoto em bilhões de reais.

O tempo para que todo o processo transcorra, no entanto, é um obstáculo. Por um lado, o estado aguarda a votação do projeto de lei para vender a Cedae por um preço mais alto; por outro, precisa botar o pé no acelerador. Caso a desestatização não aconteça até setembro de 2020, a empresa passará automaticamente para as mãos do governo federal, credor do empréstimo de R$ 2,9 bilhões adquiridos pelo Rio em 2017, na transação com o banco francês BNP Paribas.

Trâmites demorados

Especialistas ouvidos pelo GLOBO veem com preocupação o pedido de remodelagem feito pelo estado frente ao prazo estipulado para a privatização. Segundo eles, há risco de a desestatização não ser concluída no período previsto.— Depois de lançado o edital, acredito que uma privatização desse porte levaria entre um e dois anos para ser finalizada. É uma operação muito complexa, porque envolve várias partes — avalia o advogado especialista em licitações Fabiano Diefenthaeler, do escritório N. Tomaz Braga & Schuch Advogados Associados.

— Numa empresa com o vulto da Cedae, muitos fatores têm que ser levados em consideração, como a realização de audiências públicas nos municípios afetados, já que estamos falando de um serviço público. Há ainda uma enorme probabilidade de interessados entrarem na Justiça para tentar impugnar o edital, o que pode retardar a licitação. Esse edital também terá de ser submetido ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), que precisará de algum tempo para emitir o parecer. Eu diria que o tempo médio seria de um ano — avalia.

Diretor e integrante do conselho do grupo Águas do Brasil, vencedor da concessão em Niterói, em 1999, Carlos Henrique da Cruz Lima lembra que, no município, foram necessários três anos entre o lançamento do edital de licitação e o início da operação pela empresa, por conta de imbróglios judiciais. Ele acredita que será preciso no mínimo um ano para, após a publicação do edital, a Cedae ser privatizada.

— Nunca houve uma privatização dessa envergadura no Brasil. A Cedae é uma das maiores empresas de saneamento do país. A Sabesp, de São Paulo, colocou ações na bolsa de valores, mas não chegou a ser privatizada — diz ele.

União não foi consultada

Procurado, o Conselho de Supervisão do Regime de Recuperação Fiscal, ligado ao Ministério da Economia, afirmou que não foi consultado sobre o pedido do governo estadual para que o BNDES refaça a modelagem que havia sido apresentada. Em maio, o conselho já tinha relatado um atraso de nove meses por parte do Palácio Guanabara no cronograma previsto para a licitação da Cedae.

O conselho acredita que uma nova modelagem “implicará alteração dos resultados já obtidos” e, portanto, “necessariamente ocorrerá um atraso além do mencionado”. A União lembrou que, caso o Palácio Guanabara não privatize a Cedae nem quite o empréstimo por outro meio, a empresa passará automaticamente para o governo federal, que efetuará o pagamento ao banco francês.

Secretário estadual de Fazenda, Luiz Claudio Rodrigues de Carvalho defende a cautela adotada pelo governo fluminense na privatização da Cedae.

— Não faz sentido avançarmos na privatização antes de o Projeto de Lei do Saneamento ser aprovado em Brasília. A simples indefinição do novo marco regulatório joga o valor da Cedae para baixo. O melhor é esperar — afirmou o secretário.

Apesar do atraso, o Palácio Guanabara afirmou que cumprirá os prazos estabelecidos no contrato. “O governo está refazendo a modelagem com o BNDES, para apresentar ao mercado o modelo de negócio da Cedae”, informou, por meio de nota.

Um primeiro projeto que cria o novo marco regulatório para o saneamento básico foi aprovado em junho pelo Senado e seguiu para a Câmara dos Deputados. Antes de o texto ser analisado pela Casa, no entanto, uma outra proposta sobre o mesmo assunto foi enviada ao Congresso pelo presidente Jair Bolsonaro, no começo deste mês. O projeto do Executivo federal, que ajudaria a turbinar o valor da Cedae, prevê que empresas privadas também possam participar de licitações para prestar serviço de saneamento básico a prefeituras. Atualmente, municípios precisam fechar contrato com companhias estaduais públicas. Concessões do serviço para empresas privadas, como em Niterói, só puderam ser firmadas antes do atual marco regulatório, estabelecido em 2007.

Um problema para o governo Witzel é que, embora o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), seja favorável à medida, ainda não há previsão de data para que o novo marco do saneamento seja votado. Na última quarta-feira, a Casa instalou uma comissão especial para analisar as propostas. O relatório ainda será votado internamente, na própria comissão, antes de ser submetido ao plenário da Câmara. Dependendo do que a Casa decidir, o texto terá que ser submetido mais uma vez ao Senado.

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